Gasto a mais

Sem licitação, estacionamento pago pela prefeitura é mais caro

Contrato anual é de R$ 48,7 mil; estabelecimentos vizinhos chegam a cobrar 30% a menos

Em tempo de vacas magras, qualquer economia é bem-vinda. Especialmente quando se fala de recursos públicos e contingenciamentos. Apesar disso, uma decisão da prefeitura de Pelotas aparentemente preferiu levar em conta a comodidade ao invés do preço. Assinado pela prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) no dia 21 de fevereiro, o novo contrato (037/2018) para estacionamento de veículos até o fim de dezembro no centro da cidade, a poucos passos dos gabinetes, custará R$ 48.720,00.

Firmado com dispensa de licitação, isto é, sem que houvesse concorrência, o acordo entre o município e o edifício garagem ao lado da prefeitura prevê que 14 carros para o transporte de servidores utilizem boxes. Para garantir o conforto e a praticidade de ter vagas reservadas a veículos oficiais, de secretários e assessores na disputada região do entorno da praça Coronel Pedro Osório - onde cada hora a céu aberto custa R$ 1,90 de estacionamento rotativo -, o município está pagando R$ 4.060,00 por mês.

mapa estacionamento prefeitura

Não é a primeira vez que um acordo desse tipo é usado. Segundo a própria prefeitura, desde 2006 são mantidos contratos de locação de boxes, cada um deles com duração máxima de cinco anos. No último deles, que durou de 2013 a 2017, o valor inicial de R$ 28.080,00 saltou para R$ 45.011,40 no final. Um reajuste de 60% nos pagamentos, enquanto que no mesmo período a inflação acumulada foi de 36%, segundo o IBGE

Levando-se em conta apenas os preços de 2017 para 2018, os cofres públicos estão desembolsando agora 8,2% a mais para guardar carros. Se a prefeitura fosse seguir o critério da inflação anual - usado, por exemplo, para justificar a política de reajuste dos salários do funcionalismo - o aumento não poderia passar de 3,2%.

Para o mestre em Direito e coordenador do curso superior de Tecnologia em Gestão Pública da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Paulo Cesar Neves Barboza, embora seja legalmente justificável, a contratação do serviço sem concorrência é questionável. “Pelo valor e características do objeto, poderia ser feita carta convite aos estacionamentos próximos da prefeitura. Com isso seriam especificadas as exigências e os interessados que atendessem a elas poderiam apresentar suas propostas”, avalia.

A poucos metros e bem mais barato
Em uma sondagem de preços feita pela reportagem a estacionamentos da zona central, pelo menos três em um raio de até 400 metros da sede do Executivo oferecem boxes mensais mais baratos. Todos com vagas cobertas, câmeras de vigilância e preços inferiores aos R$ 290,00 por carro praticados pelo compromisso recentemente assinado.

Proprietário de um estabelecimento a pouco mais de uma quadra da prefeitura, Dilermando Oliveira, 50, diz que gostaria de poder disputar o contrato. “Se houvesse um edital eu teria interesse em concorrer, sim. Acho que para uma prefeitura tem que ser assim, tudo aberto para escolher quem vai fazer o serviço”, comenta. Caso firmasse pacto para 14 boxes pelo preço praticado hoje em seu estacionamento, o valor por um ano seria de R$ 33.600,00. Diferença de 31% em relação ao acordo vigente.

Economia que, como lembra o professor da UFPel, sempre pode ser aproveitada para qualificar outros serviços públicos. “Se uma concorrência representar uma economia mínima que seja já é importante. Isso atenderia especialmente aos princípios da economicidade, da moralidade e da eficiência na administração pública”, avalia.

O que diz a prefeitura
Em nota, a assessoria de comunicação afirma que a escolha do local específico do estacionamento se deu para gerar economia de dinheiro e tempo de deslocamento dos servidores. A administração afirma que a ausência de licitação para a contratação “não garante tal economicidade, pois não há respaldo na lei para determinação de perímetro que garanta que o vencedor esteja próximo à prefeitura”.

Sobre o aumento dos valores em índices acima da inflação, a prefeitura argumenta que “não há que se falar em reajuste” porque foi feito um novo contrato. “O valor pago atualmente por carro é de R$ 290,00, durante sete dias da semana, 24 horas por dia. Esse valor é o mais baixo dos pesquisados pela prefeitura e está totalmente dentro do preço de mercado”, diz o texto. Segundo o Executivo, “vários estabelecimentos procurados recusaram o fornecimento de orçamentos, pois não aceitaram receber por empenho”.

Embora o acordo diga que os 14 carros que usam as vagas pagas pelo município devam ser identificados, com eventuais substituições sendo informadas, o Diário Popular não teve acesso às placas ou aos nomes dos servidores que utilizam.

 

A lei
A prefeitura justifica a contratação sem abertura de concorrência baseada no artigo 24, inciso X da lei 8.666/93, que diz o seguinte:

Artigo 24 - É dispensável a licitação:

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.

Para o professor Paulo Cesar Neves Barboza, no entanto, “dispensável” não significa que seja obrigatória a ausência de licitação. Poderia ser usado, neste caso, uma carta convite - conforme os artigos 22 e 23 da legislação:

Artigo 22 - São modalidades de licitação:

III - convite;

§ 3° - Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.

Artigo 23 - As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:

a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

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